22.10.09

Rodolfo Alonso en portugués 4

Poemas de
“O MÚSICO NA MÁQUINA”
(Buenos Aires, 1958)

Traduções de José Augusto Seabra



CORPO A CORPO

De uma obscura paixão ou um pouco de esforço, de um puro golpe de amor, de certa maneira de falar e surpreender-se, não poderás evadir-te sem deixar um rasto, algo que te descubra.



N.

Se eu te houvesse dito: o coração é uma fruta enorme. Se eu te houvesse cantado com estas palavras de descontentamento e de traição, se te houvesse aberto uma só das minhas chagas, poderias hoje dormir a meu lado.

Mas o cansaço espera e isto é muito. A vida não da mais do que se lhe pede. As distâncias alargam-se ou rompen-se.

A terra tem um ritmo.



A VOZ TOMADA

Quando se quebrar a língua do amor, restar-nos-á ainda esta palavra ronca.

Quando não poder dizer, voltará ainda à minha garganta o eco do teu corpo.




VOO NOCTURNO

É a hora dos pássaros repartidos.

Candura: cavalga ao meu lado na noite leve.



O MÚSICO NA MÁQUINA

Repartia um pais delicado e terrível: amava toda a candura, toda a barbárie.

As tormentas abriam as portas de minha casa.

Viageiro: a pedra em que tropeças também é o mundo.

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Poemas de “SAÚDE OU NADA”
(Buenos Aires, 1954)


Traduções de José Augusto Seabra


DAR DE BEBER

submetidos a uma ocultação tão vasta
a um tal golpe da sorte
um homem morre uma fronteira alarga-se
sostendo até ao fim um dia em vagas



LIVRE LIVRES

convido-os
a passear o amor entre os indiferentes
a sua cor sem moral o seu altar em armas
a sua identidade feroz que as crianças inauguram

previnem esta cena em assembleia
eles os esperados



CONFABULAR

é a planura o filho perfeito
os que abrimos a manhã com os dentes
vivendo até cá acima
o vinho de mão em mão
o poema de mão em mão
o sangue de mão em mão
sim é verdade
haveria que dizê-lo a toda a gente



NOITE DE MENDIGOS

se convives
em todos os alcóois da terra
há uma luz para o teu rosto

tempo da paixão com olhos na boca
com céus na boca
sim a vida destapa a sua memória
atravessa os teus arcos e ri-se

uma manhã heroica um ágil sulco
ressoando nas tuas costas



A CINTURA DO MUNDO

a morte há-de morrer
sabemos o que amamos
em que pedra em que raiz
havemos de aventurar-nos

resiste a sua virtude
o que nos resta em paga
a condição o olho triste a palavra
a repartir com os homens

tu confirmas a vida com a voz
deixas cair o teu aroma e desnudas-te
em todos os que partem



A MOÇA DAS ILHAS CANÁRIAS

a que eu amo distribui o tempo
conserva nas suas mãos as raízes das horas
saúde nos seus sinos
na sua maravilha convertida em chuva
no seu coração em declive

na cume a morte no fundo o amor
amor as suas pupilas amor cavalga a certeza
e ela convive com os homens

hoje as suas ilhas habitam-me a garganta
a nadadora negra está de pé na margem
e faz rolos de cabelo com o vento

a que eu amo persiste no inverno
entrega-se e foge
para logo voltar a curvar-se
levanta-te esperada o teu coração é um crisol
mas há ainda uma espada no teu sorriso

a que eu amo está junto de mim
a nossa força é a força dos homens
está nas minhas veias e nos meus músculos
quente como o pão como o sangue como o vinho



A MÃO QUE CANTA

Quando chegares ao fundo encontrarás um clima claro e fértil, de fáceis estragos, um dia cativo cuja luz não irradia senão sobre a força do desordem.

A rebeldia que sentes ser tua, ponto extremo da tua vida, a rebeldia que não te negas a partilhar, descobre-se às vezes partindo a cabeça do seu próprio dragão.

Finalmente chegaste a verificar, depois de breves ou longos encontros, que o bem e o mal formam-te um só meridiano.

E que tanto um como outro te são hoje necessários.

O amigos, a mulher, então, todos os que se elevam ao sol e à sua fácil honradez, não poderiam compreender este rancor que sabes útil, esta cadência do mundo na tua cintura..



VIVA A VIDA

mereces não estar só
com a tua esperança molhada a tua saúde
removendo os escombros da tua poesia

digo do mundo em redor do mundo
digo a vida que está sempre aquí

além o tango te volve volteando
te une contigo
lhe toma o tempo ao tempo
a uma violência chamada Madalena
à tua alegria tremente

a infância custava-nos muito menos

é preciso sabê-lo
e durar como uma mão estendida

além voltas a encontrar-te
construiste com o teu amor um totem
para sempre presente

a caminhar a dobrar-se sobre a terra
ocupa-te de todos
olha-te
bebe a luz o teu vinho
a luz feita à tua semelhança

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